- Oi. Cheguei. Estava pensando em lhe ver na quinta-feira,
o que acha?
- Ótimo, estou com o dia livre.
- Combinado então. Sairei daqui bem cedinho.
- Onde nos encontramos?
- Vemos amanhã. Beijo
- Beijo.
Respirou fundo e
começou a sorrir mergulhada em lembranças. Lembrou do primeiro encontro, o frio
na barriga, a meia-calça rendada que rasgou, o sapatinho. Sorriu. Lembrou do
segundo encontro, do hotel, das conversas, dos risos, da massinha de modelar,
os incensos e as roupas de cama brancas. Sorriu, sorriu, sorriu, o rosto dela
iluminava-se com qualquer vestígio de lembrança, logo os cheiros e sons
tomavam-lhe a cabeça e ela ria.
Tirou todas as roupas
da cama, a capa do colchão, os lençóis, as fronhas, mergulhou-os em um
amaciante de rosas e deixou-os secarem madrugada
a dentro. Bateu-se a noite toda, virava-se na cama, trocava a ordem dos
travesseiros, notou que o celular já marcava seis horas da manhã. Sentiu-se
preguiçosa, virou-se na cama, descansou os olhos mais um tempo, até que a
ansiedade tomou conta dela e resolveu levantar.
Colocou uma camisola,
saiu lá fora e recolheu as roupas do varal, com os olhos inchados. Preparou
café no micro-ondas e começou a organizar o quarto, colocou as roupas de cama
cheirosas e macias e o quarto passou a cheirar a rosas. Olhou tudo aquilo e
sorriu. Tomou seu café vagarosamente e ansiosamente, já eram nove horas e ele
ainda não havia dado notícias, pensou em mandar mensagem, depois resolveu
esperar.
Uma música qualquer
estava tocando enquanto ela navegava na internet tentando se acalmar. Dez e
quinze. Resolveu mandar uma mensagem: “Hey dear, onde você está?”. Meia hora se
passou e ela não obteve resposta. Resolveu esperar. Esperou. Esperou mais.
Resolveu mandar uma nova mensagem e percebeu que ela havia respondido. “Saindo
daqui em meia hora”. Isso era o cedo que você disse que iria sair? Pensou. Ela
levantou-se e começou a procurar algo pra vestir despreocupadamente, calculou
que ele demoraria cerca de uma hora para chegar. Cinco minutos depois recebe
outra mensagem “Estou aqui”. As pernas amoleceram imediatamente e o desespero,
ansiedade, angustia, felicidade, tudo estava batendo naquele corpo. “Como assim
chegou? Onde?”, o sinal estava péssimo e as mensagens não estavam indo. As
roupas começaram a voar para todos os lados, nada era perfeito. Desistiu do
penteado e foi com o cabelo solto. Ele estava no centro, ela demoraria mais
meia hora para chegar até ele. Fechou a porta rapidamente e correu para o ponto
de ônibus mais próximo torcendo para que tivesse algum naquele horário. Tinha,
por sorte. Ficou totalmente sem sinal e o desespero bateu mais uma vez.
Respirou fundo e tentou se acalmar e então voltou a sorrir, sorrir, sorrir,
sentada sozinha no banco do ônibus, as vezes encontrava com o olhar de um outro
alguém e se pegava sorrindo, tentava disfarçar mas o riso havia lhe tomado
conta. Chegou no centro, aonde estaria ele agora? “I’m here, cadê você?”, ela
estava morrendo de ansiedade, olhava em volta tentando reconhecer a silhueta
dele por entre as decorações de natal da praça. Andou por todo lado, será que
ele havia mudado tanto assim em um ano?
Uma nova mensagem. “Estou
no café ao lado da praça”, ela apressou o passo e tentava encontra-los olhando
através do vidro, entrou, não viu ninguém, até que seu sorriso encontrou outro
bem ao fundo. Não conseguiu mais conter o sorriso, nem o sentimento, e
transbordou amor. Os olhos brilhavam, o coração estava quente, ela estava
plena. Abraçou-o longamente, apertadamente, sentiu o calor e a maciez daquele
corpo aconchegar o dela. Sentiu-se segura e confortável e sorria, sorria,
mirava-o nos olhos e sorria, não haviam palavras para aquele momento.
- Como você está lindo!
– E sorrio novamente, acariciando-lhe o cabelo.
Ele também sorriu.
-Senta aqui do meu
lado. Está com fome?
Ela sentou e pegou na
mão dele.
-Não, estou bem.
- Vamos pra outro lugar
então?
- Vamos.
Ela aguardou-o enquanto
pagava a conta. E depois saíram andando de mãos dadas pela cidade. As pessoas
pareciam estranham aquelas duas figuras andando de mãos dadas. Eles sorriam e
brincavam sem se importar.
- Você mora longe
daqui?
- Do outro lado da
cidade.
- Vamos pra lá? Eu
estou de carro.
- Vamos.
Ele ligeiramente abriu
a porta do carro para que ela entrasse e ambos sorriram. Olhavam-se o tempo
todo, contemplavam um ao outro sem palavras. Na metade do caminho resolveram
passar no mercado e comprar algo para comer, a fome havia aparecido. Comprar um
litro de cachaça e alguns salgados. No caminho ele comentou como a moça da
padaria era linda, ela concordou.
Chegaram em casa e o
sol estava muito quente. Sentaram no sofá, comeram os salgados que haviam
comprado e continuaram se olhando.
- Depois que
terminarmos de comer podemos ir sentar lá no porão, é mais fresco.
Ele concordou. Pegaram
a cachaça e os copos, o maior para ele e o menor para ela. Carregaram as
cadeiras de praia e foram para o porão. Sentaram um em frente ao outro.
Fecharam os olhos e sentiram o vento soprando, os passarinhos cantando e
novamente sorriram.
- Vamos beber? Me dá
seu copo. – Disse ele.
- Só um pouco hein?
Você sabe que sou fraca para bebida – Disse, estendendo o copo até ele.
Ele serviu os dois,
menos de meio copo cada um. Sorriram.
- Ao que vamos brindar?
- Não sei.
- Vamos fazer uma
brincadeira emocional?
- Ah, não sei se estou
preparada para uma coisa dessas.
- O que você gostaria
de agradecer nesse ano?
- A sua presença. –
Olhou-o nos olhos e sentiu-se agradecida.
- Isso não vale. O que
mais?
- Claro que vale,
queria agradecer também às minhas conquistas, todas elas. E você?
- Queria agradecer a
oportunidade de estar aqui hoje, à todas as oportunidades que tive durante o
ano, de crescimento em todos os sentidos.
Brindaram e beberam.
- O que você gostaria
de deixar nesse ano?
- As minhas limitações,
aquelas que eu mesma coloco em mim, os meus medos. E você?
- As minhas perturbações,
não que eu queira que elas desapareçam, mas gostaria que elas não afetassem
tanto a minha vida.
Brindaram novamente e
beberam.
- E o que você quer
para o próximo ano?
- Ser ainda mais livre,
ter coragem e força para realizar todas as coisas que tenho pra fazer com a
qualidade que eu prezo, e um trabalho se for possível. E você?
- Peço saúde para todos
nós, que a minha família consiga viver em harmonia, e que as pessoas encontrem
aquilo que necessitam.
Brindaram e beberam.
Ficaram em silêncio por um tempo, ouvindo os passarinhos e pensando nos pedidos
que haviam sido feitos. Depois começaram a falar sobre a vida desde o dia em
que haviam se visto pela última vez, a
faculdade, a vida, os sonhos pro futuro. Lembraram de todos os momentos bons
que passaram juntos, celebraram aquele momento e agradeceram a oportunidade de
estarem juntos novamente, se olhavam, sorriam e ficavam em silêncio. As
palavras perdiam o sentido diante dos dois.
Quando se deram conta a
noite já estava chegando, falaram sobre o pôr-do-sol, sobre as plantas que
haviam em volta do porão, sobre aquilo que eles amavam, sobre os ancestrais,
sobre a terra, sobre eles. A hora de ir se aproximou sem aviso, veio repentina
e roubou-lhe metade do dia. Não sorria mais. Calou-se. Ele sentiu o sofrimento
nos olhos dela. Abraçou-a longamente tentando confortá-la.
- Não fique assim,
pequena. Nos veremos em breve, voltarei antes do que você imagina.
Ela suspirou fundo, com
pesar. Queria que ele ficasse pra sempre.
- Tudo bem – E abraçou-o
com força.
Não chorou e tratou de
segurar seu coração quieto no peito. Mas a voz não saiu mais, nem o sorriso.
Contemplou-o o tempo que pode para imortaliza-lo na memória. Pediu uma foto.
Tirou duas. Ela precisava olhar para elas e sentir que tudo havia sido real.
Abraçou-o, não queria que ele entrasse no carro. Suspirou sentindo seus ossos
contra o peito dele. Queria ficar assim pra sempre. Ele precisava ir.
- Amo você.
- Eu também amo você,
menina. Até breve.
O carro se afastou
lentamente. O coração ficou quieto, a respiração tornou-se superficial. O amor
ainda inundava-a e ela permaneceu em silêncio. Entrou e fechou a porta e
permaneceu assim até o dia seguinte.
Sentiu que o porão a
chamava e no final da tarde foi até ele. Quando sentou-se, em seguida sentiu
que ele havia ido, mas deixara algo dele lá. Deixou de se sentir só e sabia que
para encontra-lo bastava ir até o porão e sorrir.
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