19 de dez. de 2014

O Porão.

Postado por AnaBaú às sexta-feira, dezembro 19, 2014
- Oi. Cheguei. Estava pensando em lhe ver na quinta-feira, o que acha?
- Ótimo, estou com o dia livre.
- Combinado então. Sairei daqui bem cedinho.
- Onde nos encontramos?
- Vemos amanhã. Beijo
- Beijo.
Respirou fundo e começou a sorrir mergulhada em lembranças. Lembrou do primeiro encontro, o frio na barriga, a meia-calça rendada que rasgou, o sapatinho. Sorriu. Lembrou do segundo encontro, do hotel, das conversas, dos risos, da massinha de modelar, os incensos e as roupas de cama brancas. Sorriu, sorriu, sorriu, o rosto dela iluminava-se com qualquer vestígio de lembrança, logo os cheiros e sons tomavam-lhe a cabeça e ela ria.
Tirou todas as roupas da cama, a capa do colchão, os lençóis, as fronhas, mergulhou-os em um amaciante de rosas e deixou-os  secarem madrugada a dentro. Bateu-se a noite toda, virava-se na cama, trocava a ordem dos travesseiros, notou que o celular já marcava seis horas da manhã. Sentiu-se preguiçosa, virou-se na cama, descansou os olhos mais um tempo, até que a ansiedade tomou conta dela e resolveu levantar.
Colocou uma camisola, saiu lá fora e recolheu as roupas do varal, com os olhos inchados. Preparou café no micro-ondas e começou a organizar o quarto, colocou as roupas de cama cheirosas e macias e o quarto passou a cheirar a rosas. Olhou tudo aquilo e sorriu. Tomou seu café vagarosamente e ansiosamente, já eram nove horas e ele ainda não havia dado notícias, pensou em mandar mensagem, depois resolveu esperar.
Uma música qualquer estava tocando enquanto ela navegava na internet tentando se acalmar. Dez e quinze. Resolveu mandar uma mensagem: “Hey dear, onde você está?”. Meia hora se passou e ela não obteve resposta. Resolveu esperar. Esperou. Esperou mais. Resolveu mandar uma nova mensagem e percebeu que ela havia respondido. “Saindo daqui em meia hora”. Isso era o cedo que você disse que iria sair? Pensou. Ela levantou-se e começou a procurar algo pra vestir despreocupadamente, calculou que ele demoraria cerca de uma hora para chegar. Cinco minutos depois recebe outra mensagem “Estou aqui”. As pernas amoleceram imediatamente e o desespero, ansiedade, angustia, felicidade, tudo estava batendo naquele corpo. “Como assim chegou? Onde?”, o sinal estava péssimo e as mensagens não estavam indo. As roupas começaram a voar para todos os lados, nada era perfeito. Desistiu do penteado e foi com o cabelo solto. Ele estava no centro, ela demoraria mais meia hora para chegar até ele. Fechou a porta rapidamente e correu para o ponto de ônibus mais próximo torcendo para que tivesse algum naquele horário. Tinha, por sorte. Ficou totalmente sem sinal e o desespero bateu mais uma vez. Respirou fundo e tentou se acalmar e então voltou a sorrir, sorrir, sorrir, sentada sozinha no banco do ônibus, as vezes encontrava com o olhar de um outro alguém e se pegava sorrindo, tentava disfarçar mas o riso havia lhe tomado conta. Chegou no centro, aonde estaria ele agora? “I’m here, cadê você?”, ela estava morrendo de ansiedade, olhava em volta tentando reconhecer a silhueta dele por entre as decorações de natal da praça. Andou por todo lado, será que ele havia mudado tanto assim em um ano?
Uma nova mensagem. “Estou no café ao lado da praça”, ela apressou o passo e tentava encontra-los olhando através do vidro, entrou, não viu ninguém, até que seu sorriso encontrou outro bem ao fundo. Não conseguiu mais conter o sorriso, nem o sentimento, e transbordou amor. Os olhos brilhavam, o coração estava quente, ela estava plena. Abraçou-o longamente, apertadamente, sentiu o calor e a maciez daquele corpo aconchegar o dela. Sentiu-se segura e confortável e sorria, sorria, mirava-o nos olhos e sorria, não haviam palavras para aquele momento.
- Como você está lindo! – E sorrio novamente, acariciando-lhe o cabelo.
Ele também sorriu.
-Senta aqui do meu lado. Está com fome?
Ela sentou e pegou na mão dele.
-Não, estou bem.
- Vamos pra outro lugar então?
- Vamos.
Ela aguardou-o enquanto pagava a conta. E depois saíram andando de mãos dadas pela cidade. As pessoas pareciam estranham aquelas duas figuras andando de mãos dadas. Eles sorriam e brincavam sem se importar.
- Você mora longe daqui?
- Do outro lado da cidade.
- Vamos pra lá? Eu estou de carro.
- Vamos.
Ele ligeiramente abriu a porta do carro para que ela entrasse e ambos sorriram. Olhavam-se o tempo todo, contemplavam um ao outro sem palavras. Na metade do caminho resolveram passar no mercado e comprar algo para comer, a fome havia aparecido. Comprar um litro de cachaça e alguns salgados. No caminho ele comentou como a moça da padaria era linda, ela concordou.
Chegaram em casa e o sol estava muito quente. Sentaram no sofá, comeram os salgados que haviam comprado e continuaram se olhando.
- Depois que terminarmos de comer podemos ir sentar lá no porão, é mais fresco.
Ele concordou. Pegaram a cachaça e os copos, o maior para ele e o menor para ela. Carregaram as cadeiras de praia e foram para o porão. Sentaram um em frente ao outro. Fecharam os olhos e sentiram o vento soprando, os passarinhos cantando e novamente sorriram.
- Vamos beber? Me dá seu copo. – Disse ele.
- Só um pouco hein? Você sabe que sou fraca para bebida – Disse, estendendo o copo até ele.
Ele serviu os dois, menos de meio copo cada um. Sorriram.
- Ao que vamos brindar?
- Não sei.
- Vamos fazer uma brincadeira emocional?
- Ah, não sei se estou preparada para uma coisa dessas.
- O que você gostaria de agradecer nesse ano?
- A sua presença. – Olhou-o nos olhos e sentiu-se agradecida.
- Isso não vale. O que mais?
- Claro que vale, queria agradecer também às minhas conquistas, todas elas. E você?
- Queria agradecer a oportunidade de estar aqui hoje, à todas as oportunidades que tive durante o ano, de crescimento em todos os sentidos.
Brindaram e beberam.
- O que você gostaria de deixar nesse ano?
- As minhas limitações, aquelas que eu mesma coloco em mim, os meus medos. E você?
- As minhas perturbações, não que eu queira que elas desapareçam, mas gostaria que elas não afetassem tanto a minha vida.
Brindaram novamente e beberam.
- E o que você quer para o próximo ano?
- Ser ainda mais livre, ter coragem e força para realizar todas as coisas que tenho pra fazer com a qualidade que eu prezo, e um trabalho se for possível. E você?
- Peço saúde para todos nós, que a minha família consiga viver em harmonia, e que as pessoas encontrem aquilo que necessitam.
Brindaram e beberam. Ficaram em silêncio por um tempo, ouvindo os passarinhos e pensando nos pedidos que haviam sido feitos. Depois começaram a falar sobre a vida desde o dia em que haviam se visto pela  última vez, a faculdade, a vida, os sonhos pro futuro. Lembraram de todos os momentos bons que passaram juntos, celebraram aquele momento e agradeceram a oportunidade de estarem juntos novamente, se olhavam, sorriam e ficavam em silêncio. As palavras perdiam o sentido diante dos dois.
Quando se deram conta a noite já estava chegando, falaram sobre o pôr-do-sol, sobre as plantas que haviam em volta do porão, sobre aquilo que eles amavam, sobre os ancestrais, sobre a terra, sobre eles. A hora de ir se aproximou sem aviso, veio repentina e roubou-lhe metade do dia. Não sorria mais. Calou-se. Ele sentiu o sofrimento nos olhos dela. Abraçou-a longamente tentando confortá-la.
- Não fique assim, pequena. Nos veremos em breve, voltarei antes do que você imagina.
Ela suspirou fundo, com pesar. Queria que ele ficasse pra sempre.
- Tudo bem – E abraçou-o com força.
Não chorou e tratou de segurar seu coração quieto no peito. Mas a voz não saiu mais, nem o sorriso. Contemplou-o o tempo que pode para imortaliza-lo na memória. Pediu uma foto. Tirou duas. Ela precisava olhar para elas e sentir que tudo havia sido real. Abraçou-o, não queria que ele entrasse no carro. Suspirou sentindo seus ossos contra o peito dele. Queria ficar assim pra sempre. Ele precisava ir.
- Amo você.
- Eu também amo você, menina. Até breve.
O carro se afastou lentamente. O coração ficou quieto, a respiração tornou-se superficial. O amor ainda inundava-a e ela permaneceu em silêncio. Entrou e fechou a porta e permaneceu assim até o dia seguinte.
Sentiu que o porão a chamava e no final da tarde foi até ele. Quando sentou-se, em seguida sentiu que ele havia ido, mas deixara algo dele lá. Deixou de se sentir só e sabia que para encontra-lo bastava ir até o porão e sorrir.


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