29 de mar. de 2015

A morte escondi em si, a vida e o mistério.

Postado por AnaBaú às domingo, março 29, 2015 0 comentários


ATO 1.
Os pés estão cansados, ele está em cima de um prédio com as mãos no bolso, esperando que o vento o faça de pêndulo e o derrube de lá.
Marcos, cabelos cacheados, olhos escuros, a mochila azul sempre à tiracolo, seu nome não mais o pertencia, nem o que os olhos viam, nem o que carregava na mochila e muito menos o que carregava no coração.
Lembrou-se de Ana, sempre doce, sempre menina. Os mesmos cabelos cacheados que se enrolavam aos dele, os mesmos olhos escuros, a bolsa levada à tiracolo, nada mais importava.
O vento sempre ouve os pedidos, basta lança-los ao vento, fazer uma oferenda e esperar acontecer. Tão logo despediu-se de Ana em pensamentos , o vento soprou com força e o derrubou de lá.
Milésimos de segundos para um coração e para uma mente cheia de histórias, o corpo estava voando e as lembranças foram deixadas para trás. Tudo agora transformara-se em um corpo cravado na calçada sem vida.
Ana não soube, ela nunca veio à saber o que havia acontecido com Marcos. Ana nunca soube que os lobos correm à noite em busca da lua para vê-la dançar, a lua na verdade, buscava por ela. Marcos sempre soube, mas nunca pôde avisar.
A morte trás consigo a vida e o mistério, em um instante um corpo cravado na calçada, instantes depois as pessoas caminham pela calçada pisoteando as memórias que ficaram perdidas ali esperando alguém resgatá-las.

ATO 2.
Os lobos correm e uivam atrás da lua, as hienas, os coiotes fogem dos caçadores cruéis. O grande Urso nunca se deitará para descansar.  A fina linha que divide o mundo humano e animal desaparece quando a lua aparece no céu.
Os corvos estão chamando por ela, as penas estão sendo deixadas em seu caminho. Dia após dia, as mensagens são deixadas ao vento para que possam chegar ao seu coração.
As estrelas falam o tempo todo, mas é preciso olhar para o céu para encontrar a mensagem. Onde está ela? Todos se perguntam e uivam para que ela apareça logo.
A briga pela sobrevivência, as hienas destroçam o pequeno animal e riem comendo sua carne. A lei é clara, os maiores e mais aptos comem os menores e menos aptos, não há espaço para inteligência ou amor.
As ervas estão sendo queimadas, mensagens de fumaça estão sendo enviadas. Ana onde está você? É a natureza selvagem que clama por você! Que as mensagens cheguem à você através dos seus sonhos e que você venha conhecer o mistério.

ATO 3.
Ana está tentando dormir, sua mente está inquieta. É a décima noite que dorme de madrugada, mesmo tendo que levantar cedo no dia seguinte. Lá fora ela ouve os cachorros latindo, brigando, lutando por um pedaço de carne qualquer. As corujas piam, os passarinhos se acomodam ao pôr do sol e ela permanece com os olhos acessos.
Todas os dias centenas de mensagens são enviadas, mas quem é que está apto para recebe-las e decifrá-las?
O que é que determina quem vai salvar e quem vai tirar vidas? Porque você está chorando como se tudo fosse o fim? A mensagem é clara, a morte esconde em si a vida e o mistério, basta ter olhos para ver.
Ana não vê com os olhos e não ouve com os ouvidos, mas em seus sonhos os tambores tocam e os animais uivam em seu coração. A montanha sagrada, o vento ancião, as mensagens secretas são depositadas em seu coração, como um ninho.
Ana, você sabe quanto tempo ainda tem? Quanto tempo lhe resta? Ouça o chamado dos antigos antes que seja tarde demais.  Ana, onde está você que não pode ouvir?
As mensagens acumulam-se em seu coração mas o caminho da verdade parece estar obstruído.

ATO 4.
Hoje Ana acordou sentindo dentro de si uma morte. Andou pela cidade e pisou nas memórias de Marcos sem saber. Olhou-se num espelho que não era seu e viu lágrimas correndo pelo seu rosto.  O coração apertava-lhe o peito e a impedia de respirar. Quem era essa pessoa que lhe fazia falta e que ela não conhecia? Ela sentia que devia viajar pra algum lugar, sentia vontade de voar para um lugar distante que ela não sabia onde era. Passou a semana calada, chorosa, tentando descobrir o que lhe tirava o ar.
Numa manhã encontrou um pequeno papel onde estava escrito “ a morte esconde em si, a vida e o mistério”. Mas não pôde compreender.  Naquela semana encontrou dezenas de penas pelo caminho e sentia que devia guarda-las.
No mesmo dia voltava para casa próximo da meia-noite, as ruas estavam silenciosas e escuras, e os grilos pareciam estar dentro da sua cabeça,  sentia-se confusa com o coração apertado e com a frase que não saia de sua cabeça.  Olhou para o céu, contemplou a lua cheia e pediu ajuda.
Sonhou que estava dormindo tranquilamente em sua cama quando um pequeno corvo entrava em seu coração, ela pôde sentir as asas se acomodando no pequeno espaço e quando acordou teve a sensação que existia mesmo alguém ali. Olhou para todas as penas que havia encontrado, pensou no corvo, mas não conseguiu associar à nada que respondesse suas perguntas.
Levantou-se, pegou sua bolsa e foi até a mata meditar. Escolheu um lugar no coração da mata, sentou-se e fechou os olhos.  A cabeça parecia estar habitada pela população mundial, sentia seus pensamentos girarem, as vozes se confundiam, até que conseguiu focar na sua respiração e deixar que o Sagrado falasse com ela.
Aos poucos sentiu que deixava o corpo, o barulho da mata estava dentro dela, a respiração da mata era a sua, não existia limites entre uma e outra. Sentiu suas raízes fixando-se à terra e sendo nutrida por ela. O silêncio tomou conta da sua mente e aos poucos sentiu como se uma parte dela desprendesse do corpo e pudesse voar. Voou até uma grande montanha e admirou-se com o que podia ver de lá em cima. Uma enorme cachoeira com uma alta e fina rocha no centro, percebeu que no topo da rocha havia um ninho e sentiu que devia ir até lá.
Quando sentou-se no ninho sentiu como se já conhecesse aquele lugar. Por um instante sentiu como se sempre houvesse pertencido àquele ninho, o som da água caindo, o vento soprando lá em cima a enchia de tranquilidade, ela estava em segurança e seus ovos também.  
Permaneceu ali em plena segurança até sentir que devia voltar. Aos poucos trouxe suas raízes para dentro de si e guardou suas asas. Sentiu-se no bosque novamente, sem abrir os olhos. Deixou que aos poucos as batidas do seu coração fossem somente as suas.
Quando abriu os olhos a angústia já não existia, a sensação de pertencimento a preenchera totalmente, então ela pegou sua bolsa e voltou para casa.

ATO 5.
Ana nunca entendeu o que a frase “a morte esconde em si, a vida e o mistério” queria dizer. Talvez porque ela nunca soube que Marcos morreu para que ela pudesse encontrar quem ela realmente era.

7 de mar. de 2015

Postado por AnaBaú às sábado, março 07, 2015 0 comentários

Porque você me deixa sozinha em um mundo que eu não entendo?
 

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