Ela estava sentada em uma pequena mesa
perto da janela, à sua frente estavam papel, caneta e uma pequena rua
movimentada. Suspirou. Olhos entreabertos, faltavam-lhe forças para
mantê-los altivos, as únicas forças que lhe restavam seriam usadas para
escrever um bilhete endereçado à ninguém.
Suspirou outra vez. Não sabia por onde
começar, talvez devesse iniciar pelo motivo que a estava impelindo a
escrever a carta. Começou assim, “Talvez hoje seja uma das noites mais
frias do ano, na rua à minha frente algumas pessoas andam demoradamente,
enquanto outras andam rapidamente para fugir do frio. Eu seria uma das
pessoas que andam demoradamente, iria apreciar cada fagulha de frio
atravessando meu ser, congelando meus ossos e o meu coração. Deitaria no
chão e deixaria lentamente que o meu calor se esvaísse, tornando-me
apenas um corpo congelado no chão.
Querido papel, você é tudo o que me
restou. Eu deveria estar rindo dessa situação, afinal você ainda é
alguém, mas não estou. Fazem dias que meus únicos companheiros são as
pessoas que passam por essa rua, e eu estive pensando sobre a minha
curta vida. Não tenho mais que vinte e poucos anos e já estou
demasiadamente cansada para continuar. Você pode pensar, mas você ainda
tem olhos para ver, e força para segurar uma caneta, não há do que
reclamar. A questão é que eu não tenho nada a perder. As pessoas viviam
antes de eu aparecer, continuaram vivendo enquanto estive aqui e
continuarão vivendo quando eu não mais estiver aqui. Quem sabe
encontrem-no sobre a mesa quando vierem cortar a luz e água que não
foram pagas, ou quem sabe interditarem a casa. Bom, pode ser que ninguém
o encontre, mas isso não faz diferença, a questão é que você é o único
que vai conhecer os meus reais motivos.
Eu sou como você, pálida e solitária, sem
uma história para contar. E ninguém tem força suficiente para escrever
histórias em mim, nem eu mesma. Mas o segredo que quero lhe contar não é
esse, o segredo é que depois que você viveu tudo o que quis não há
razões para continuar. Eu já não tenho mais nada a perder, a não ser
entregar-me para a brevidade da vida, uma vida que bebi até a última
gota, mas que já não me satisfaz”.
Garis encontraram a carta caída numa
pequena rua movimentada. Nunca saberão o que houve antes ou depois,
nunca saberão quem era a moça. Quem sabe nunca tenham a encontrado,
porque ela nunca esteve perdida. Sem nome ou data, ninguém.
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