Assim, o escritor só encontra por toda a parte o seu saber, a sua vontade, os seus projetos, em resumo, ele mesmo; atinge apenas a sua própria subjectividade; o objeto que cria está fora de alcance; não o cria para ele. Se relê o que escreveu, já é demasiado tarde; a sua frase nunca será a seus olhos exactamente uma coisa. Vai até aos limites do subjectivo, mas sem o transpor; aprecia o efeito dum traço, duma máxima, dum adjectivo bem colocado; mas é o efeito que produzirão nos outros; pode avaliá-lo, mas não senti-lo.
Proust nunca descobriu a homossexualidade de Charlus, uma vez que a decidiu antes de ter começado o livro. E se a obra adquire um dia para o autor o aspecto de objectividade, é porque os anos passaram, porque a esqueceu, porque já não entra nela, e seria, sem dúvida, incapaz de a escrever. Aconteceu isto com Rousseau ao reler o Contrato Social no fim da vida.
Não é portanto verdade que se escreva para si mesmo: seria o pior fracasso; ao projetar as emoções no papel, a custo se conseguiria dar-lhes um prolongamento langoroso. O ato criador é apenas um momento incompleto e abstrato da produção duma obra; se o autor existisse sozinho, poderia escrever tanto quanto quisesse; nem a obra nem o objeto veriam o dia, e seria preciso que pousasse a caneta ou que desesperasse.
Mas a operação de escrever implica a de ler como seu correlativo dialético, e estes dois atos conexos precisam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor e do leitor que fará surgir o objeto concreto e imaginário que é a obra do espírito. Só há arte para os outros e pelos outros.
(Jean Paul Sartre in Situações II)
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