31 de out. de 2013

O fogo de Beltane - Thales Travalon

Postado por AnaBaú às quinta-feira, outubro 31, 2013
Naquele dia, especialmente naquele dia, faziam quatro anos que haviam se encontrado pela primeira vez. Dançaram alegremente em torno do mastro de Beltane, seus olhos brilhavam como esmeraldas verdes e profundas, dentro de cada um deles. E sob um silêncio respeitoso, toda a vida, toda a pequena vila, até mesmo as estrelas se apagavam para que a fogueira fosse acesa. E em suas chamas, nas labaredas que ardiam, o nome do Deus era evocado e ricocheteado, o cheiro de Olíbano se espalhava e a floresta tremia, a floresta se aquecia e calava, o grito estava apenas dentro deles, em seus olhos, rugindo o nome cornífero, o som da galha majestosa.

Houve uma época onde as pessoas acendiam sorrisos, ao invés de velas. E eles [os sorrisos] conseguiam ofuscar o sol. Nessa mesma época, fazíamos preces sem pretensões de sermos ouvidos e atendidos. Fazíamos porque era belo e nossos filhos sorriam e isso ofuscava qualquer pedido. E nossos filhos eram pequenos [eram menores do que nós], assim como nós éramos [pequenos] naquela época e somos ainda hoje, menores que nossos filhos. Nossa pretensão é jamais crescer, jamais almejar inflar, talvez assim, pequenos, fulguremos no olhar e na lança do Deus que protege com seus chifres as pessoas que hoje acendem sorrisos.

O fogo de Beltane ardia, e queimava dentro de nós. Em nosso coração, a chama sagrada se restituía, talvez por estarmos juntos. Naquele momento éramos um, com as chamas, dançando ao seu redor, e o Deus conosco. A Deusa terra, o Deus sol. Seus brilhos florescendo flores, as flores com brilho real. Naquela época não sabíamos que seríamos lembrança e nostalgia. E que após tantas vidas, tantos dilemas, tudo se culminaria em nosso encontro, tudo se revelaria sob o brilho da lua. Jamais imaginaram que seus votos e suas preces seriam guardados pelas Sílfides e que seriam imunes ao esquecimento, assim como as Salamandras não queimam sob o fogo. E os poemas eram cantados pelas Ondinas, todas as palavras doces que as pedras do circulo haviam guardado pelas gerações. Ela e ele, quebra-cabeças que nem mesmo todo o tesouro dos Gnomos poderia pagar.

Ele dizia: Seja meus segredos. Seja o código de meus olhos, a lembrança de minhas temperanças, apenas guardada em meu maior bem: teus lábios. Seja apenas minha, como naquela época dos sorrisos, onde plantávamos a floresta em tuas terras, e o despertar da arte em teus filhos. Seja todos os meus bens, seja todas as minhas tatuagens invisíveis, seja meu entardecer, o meu amanhecer e o meu emudecer aos braços teus quando apenas sorrimos, sem prece, sem crescer. Seja o carvão que sustenta meu fogo, nunca apague de mim o que remete a você. Não deixe a noite cair sem que o fulgor de teus olhos viva.

Ela dizia: Sou o passado, presente, futuro, o tempo. Sou em teus braços o germinar sem contratempo. Sou companheira, esposa, imperatriz. Sou em teus laços o reciclar de tua matriz. Sou intransferível, definitiva, tua. Sou em teus domínios a liberdade viva e crua. Sou o repousar, levantar e regresso. Sou em tuas mãos artifício de egresso. Se não tua, de mais quem? Se não nua, vestida de quê? Se não fogo, como lhe representar? Se não hoje, quando lhe amar? Se não Beltane, qual Sabath será? Se não sorrir, como lhe festejar? Não encare essas palavras como heresia. Não sei ser mulher, sem antes ser poesia.

O fogo sagrado de Beltane ardeu sem fim.
O fogo sagrado de Beltane ardeu em mim.

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